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Nome: Viviane |
Em: 06/09/2013 | 11:10:06 |
E-mail: - vivilmessas@gmail.com |
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RELAÇÕES DE GÊNERO E RELIGIOSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR: CONFLITOS E REPERCUSSÕES DAS MULHERES DA CONGREGAÇÃO CRISTÃO DO BRASIL. As questões que pretendemos apresentar nesse texto, fruto de resultados obtidos na orientação da Dissertação de Mestrado sobre o tema, dizem respeito às tensões vivenciadas pelas professoras da CCB no interior da escola. (MIGUEL, 2008).
A mulher crente, independentemente da função que exerce, é IDENTIFICADA, e em seguida CLASSIFICADA. Ela fará parte da categoria “mulher crente”. […] Uma pergunta ouvida com freqüência pela professora da CCB no cotidiano escolar é: “Você é crente? De que igreja”, e diante da resposta: “Sim, sou crente da Congregação Cristã no Brasil”, ouve-se sempre “Ah! bem que eu percebi”.
Fica evidente que a “MULHER crente” é percebida por ser diferente nos seus usos e costumes. No entanto, por mais que a CCB dicotomize igreja e mundo, na prática, este distanciamento se torna impossível. Nesse texto abordamos o comportamento das mulheres da CCB diante de determinadas situações próprias do ambiente escolar. […] Vejamos o que diz a diretora de uma escola sobre as professoras pentecostais, quando lhe foi perguntado se ela reconhecia de imediato uma professora pentecostal: “As evangélicas são diferentes, nós reconhecemos no traje e no comportamento. Não se envolvem em grupos”, mais adiante ela completa que as assembleianas e as da CCB, são identificáveis de imediato: “[...] pelo cabelo e pela roupa... e sem maquiagem.”.
[…] A época do frio na escola é muito ruim. Trabalhei com uma professora que todos os dias me perguntava, se eu não estava com frio. E eu respondia: “Não. Não estou com frio. Estou usando meia de lã.”. E era uma meia muito bonita! (risos). Outros colegas também perguntam porque não uso a calça comprida. E dizem: “ah! Mas só em dia de frio. Não é pecado”. Percebo que os alunos ficam reparando, por eu não estar de calças compridas.
[…] Na verdade o questionamento se refere ao fato de não fazer uso das calças compridas. Usar calças compridas é a regra aceitável estabelecida pela maioria.
Nos dois casos citados acima, ser diferente é estar em situação de desigualdade. Existe uma “marcação simbólica” (LOURO, 2004), “uma cadeia oculta de declarações negativas” (SILVA, 2004) que entristece o sujeito a ponto de gerar a sua exclusão. As afirmações sobre diferença também dependem de uma cadeia, em geral oculta, de declarações negativas sobre (outras) identidades. Assim como a identidade depende da diferença, a diferença depende da identidade. Identidade e diferença são, pois, inseparáveis. (SILVA, 2004, p. 75). Essas professoras convivem com declarações NEGATIVAS, OCULTAS e VELADAS, que a colocam em evidência, tornando-as CADA VEZ MAIS DIFERENTES.
As relações de gênero no interior da CCB são ambíguas, pois geram a dominação, mas produzem a identidade e a diferença. Ressaltamos que as relações de dominação estabelecidas nas relações de gênero estão presentes em todas as RELIGIÕES. Entretanto, no que se refere à CCB, a religião produz uma diferença que é questionada. […]
[…]A impressão que tenho quando coloco calça comprida é que todo mundo está olhando para mim. (Sorri). O pior é que aparece “irmãos” de todos os lados. Além disso, os que não são crentes cobram da gente: você é crente não pode usar calça comprida .... Perguntamos se nos dias frios ela usa calças compridas para trabalhar e ela nos respondeu prontamente: “jamais, nem pensar”. Insistimos e perguntamos o por quê:
Eu não seria eu mesma. Entende? (sorri). Houve um tempo que eu não usava e sofria com isso. Não por causa do frio. Por que as colegas, os alunos ficavam perguntando... Hoje não sofro mais. Acostumei-me, amadureci e percebi que as normas da igreja fazem parte de minha vida. Vou para a escola de saia. (sorri). Os alunos perguntam se estou com frio, por que não coloco calça pelo menos nos dias de muito frio. Explico que sou da CCB e não uso calças compridas e pronto, ou desconverso, faço de conta que não entendi. Tem um detalhe. Agora sou efetiva na escola, só trabalho lá e todos da escola já sabem que sou da CCB, e perguntam menos. Na minha escola tem UM PROFESSOR da CCB. Ninguém pergunta nada para ele! (sorri).
[…] Diante do exposto, fica evidente que ser professora da CCB no espaço escolar significa VIVER CONFLITOS E TENSÕES de uma guerra invisível e quase silenciosa, provocada pela diferença/identidade geradas a partir das relações de gênero estabelecidas NO INTERIOR da igreja.
[…] Mas em meio a essa guerra, pouco espaço ou benefício é conquistado, e as professoras da CCB tendem aceitar a exclusão como algo natural e legítimo, utilizando-se de táticas e aproveitando-se de “ocasiões”. […]
No entanto, as tensões e conflitos presentes no cotidiano escolar, não se resumem às questões que foram expostas. Outras questões que dizem respeito à religiosidade, e que vão além das questões que dizem respeito a gênero, serão discutidas nos próximos itens. Porém, elas ATINGEM COM GRANDE INTENSIDADE as professoras da CCB, já que o número delas é muito maior que o número de professores da CCB. Além disso, entendemos que o cotidiano do espaço escolar, ao lado da Igreja, é um dos elementos que devemos considerar na formação das professoras. […]
É, pois, no lugar/escola, que se estabeleceu o canteiro de obras de construção da cidadania, como possibilidade de um projeto de emancipação humana. […] . Na definição de cotidiano, Certeau deixa claro que o cotidiano é “memória dos lugares da infância”, e o “peso da vida” presente. Nesta perspectiva, podemos afirmar que o território do cotidiano escolar não é NEUTRO, nem pacífico. Nele estão contidos passado e presente, regras, saberes, relações, palavras, atos, hábitos, símbolos, que dialogam entre si formando uma teia de significações e sentidos. Neste território, os sujeitos se deslocam, chegam à “fronteira”, e é aí, na fronteira com o seu outro, que se esconde o invisível, que acontece o conflito, a guerra. UMA GUERRA QUE PARECE NÃO EXISTIR. […]
O cotidiano da escola é o lugar das relações, é fronteira, lugar do cruzamento, do ilícito, onde se dão enfrentamentos constantes e cruentos. Nesse espaço plural, híbrido e complexo, construímos os modos de ser e de viver: “aprendemos a aprender”, “aprendemos a fazer”, “aprendemos a conviver” e “aprendemos a ser” (DELORS, 2001, p. 89).
Produzimos o que é comum e considerado normal. Mas produzimos o estranho, o diferente e anormal. O exercício da vida cotidiana faz parte da vida em sociedade. Para Agnes Heller (2000, p. 17), “A vida cotidiana é a vida de todo homem. Todos a vivem sem nenhuma exceção”.
1- O espaço escolar não é neutro, nem pacífico e nem laico.
2- As relações de gênero, divisões de fé e religiosidade são peças que compõem a “mecânica do poder” (FOUCAULT, 2000) no interior da escola, delimitando regiões de conflitos, tensão e disputas travadas no cotidiano escolar.
3- As táticas e ocasiões usadas pelas professoras nas regiões de conflitos, não conseguem processar mudanças.
As situações abaixo descritas são práticas “cotidianas” na maioria das escolas públicas brasileiras, e foram selecionadas a partir de relatos que ouvimos durante as entrevistas e vivenciamos ao longo de nossa história de vida. […]
Cabe à escola a tarefa da descontrução de mecanismos de poder que atuam contra os indivíduos e não a favor deles. Nesse ponto abrimos um parêntese e chamamos a atenção para a necessidade de descontrução da hierarquia estabelecidas nas relações de gênero no interior da igreja. Mas alertamos para o fato de que a igreja NÃO FARÁ novas leituras das relações gênero, tampouco abrirá espaços para diálogos internos que contemplem essa questão. A descontrução desses mecanismos de poder no interior das igrejas deve ser gerado fora delas, uma vez que a religião é um fenômeno social, cultural e histórico, sujeito a mudanças. Para nós, a escola é o espaço privilegiado para o estabelecimento de uma educação voltada para a alteridade.
[…]Nessa perspectiva, chamamos a atenção para o “clima de incivilidade reinante nos espaços escolares” (SILVA, 2005, p. 5), considerando que os conflitos e tensões presentes no cotidiano escolar, resultantes das relações de gênero e religiosidade, são práticas que excluem, desqualificam e portanto contribuem para desumanização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS. Procuramos ao longo desse texto mostrar que as questões de gênero e religiosidade provocam tensões e conflitos no espaço escolar que podem comprometer a construção da cidadania e da emancipação humana. Trabalhamos no sentido de desvelar relações sociais CAMUFLADAS, por isso optamos pelo trabalho com os autores como Michel Foucault, Michel de Certeau e Guacira Lopes Louro, pois acreditamos que tais autores nos forneceriam uma fundamentação teórica condizente com nossos questionamentos. Ainda nesse capítulo, ousamos traçar algumas considerações sobre a formação das (os) professoras (es) numa perspectiva do conceito de professor reflexivo. […] Encerramos concluindo que, embora o discurso circulante afirme que “religião não se discute”, percebemos que se faz necessário incluir na pauta das discussões as questões referentes à identidade/diferença, produzidas pelas religiões.
Sabemos, entretanto, que essa é uma tarefa complexa, já que não se constitui numa questão gerada no interior de movimentos sociais, e nem possui características reivindicatórias de nenhum grupo social. As professoras da CCB não se organizarão para exigir “respeito” à sua identidade, ou à sua diferença. Tampouco deixarão seus usos e costumes para conquistar uma suposta igualdade.
Trata-se de exercitar um olhar diferenciado sobre essas questões. Porém, não podemos nos esquecer que as regras de comportamento e a imposição de determinados usos e costumes são mecanismos de dominação que PERPETUAM A DESIGUALDADE instituída baseada na hierarquia entre os gêneros. Exercitar o olhar não significa apenas ver e apreciar como quando olhamos uma planta exótica. Ver é reconhecer as pequenas partes da realidade inteira e complexa. Ver é encarar e desvendar imagens que nos recusamos a olhar. A proposta de um novo olhar pressupõe questionamentos a respeito das relações de gênero e que sejam capazes de afetar os alicerces dos conceitos dominantes que têm como fundamento a relação binária macho/fêmea, relação essa que ainda permanece sustentada pelas religiões.
Negar a relevância dessas questões é como não perceber o antolho e virar o rosto para não se incomodar com o que se vê. Talvez de início, nos recusemos a lançar um longo e profundo olhar. Mas acreditamos que um olhar penetrante e significativo pode nascer de uma esguelha rápida e descomprometida. Esse texto aqui se encerra, mas que não se conclui em função da subjetividade e essência das questões. É uma forma de convidar os leitores a, seguindo essa esguelha, aprofundar o olhar, que se desdobrará em outros trabalhos.
Profa.Dra.Arilda Ines Miranda Ribeiro - FCT/UNESP/Presidente Prudente,SP
Ms Iranilde Ferreira Miguel - ISE-Instituto Superior de Ensino de Junqueirópolis, SP
Tomei a liberdade de publicar parte do texto original e destaquei algumas palavras. Viviane L. Messas Responder para: Viviane
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